A partir do dia 6 de julho deste
ano, as gestantes - que possuem planos de saúde – terão o direito de acesso às
informações sobre “os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais,
por operadora, por estabelecimento de saúde e por médico”.
Não creio que essa medida irá
diminuir os índices absurdos de cesarianas em nosso país. Eu explico:
O fato de a gestante ficar
sabendo que mais de 90% dos partos do convênio X, ou realizados no hospital Y,
ou praticados pelo medico Z foram cesarianas não fará com que ela sinta-se
incentivada a ter o seu filho por parto normal. O tiro pode, até, sair pela
culatra se ela acreditar no seguinte sofisma: “se a maioria das mulheres do
convênio tem filhos por cesariana, então, essa deve ser a melhor maneira de se
ter um bebê (!)”.
Existem inúmeros fatores
(culturais, socioeconômicos, etc.), envolvendo gestantes e médicos, que fazem
com que, no Brasil, 88% dos bebês nasçam por cesariana nos hospitais privados.
As justificativas, por parte das
gestantes, incluem: 1) o medo da dor do parto; 2) o medo de que a via
transpélvica possa trazer sequelas para o seu aparelho geniturinário, como
flacidez das paredes vaginais (tornando-as sexualmente menos atraentes), “queda
de bexiga” (cistocele), incontinência urinária, prolapso do útero, etc.; 3) o
medo da possibilidade do uso do fórcipe acarretar traumatismo craniano, e/ou
facial e/ou cerebral no recém-nato; 4) a espera angustiante – de várias horas,
com dor – até o nascimento; 5) a possibilidade de planejar o dia e a hora do
parto, sem ficar à mercê das incertezas do acaso (madrugadas, feriados
prolongados), etc.
As justificativas, por parte dos
obstetras, incluem: 1) a convicção pessoal de que a cesariana é a via mais
segura. Neste caso, o médico acredita que os parâmetros (maternos e fetais)
envolvidos no nascimento estão sob seu controle, e não sujeitos às imperfeições
da Natureza; 2) a aceitação, alicerçada no princípio da autonomia, de que a
gestante tem o direito de escolher o tipo de parto (nas palavras do Professor
Marcelo Zugaib - Titular do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia / Chefe
do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo:
“eu sou um
defensor da cesárea a pedido há 10 anos”); 3) a possibilidade de planejar o
dia e a hora do parto, sem ficar à mercê das incertezas do acaso (ter que desmarcar
as clientes no consultório, expor-se aos possíveis assaltos nas madrugadas das
grandes cidades, ser chamado durante os feriados prolongados); 4) deixar de dispender
várias horas no acompanhamento de um trabalho de parto, quando é possível
ultimar o nascimento por cesariana, permanecendo apenas duas horas na maternidade;
5)
o medo de
responder a ações judiciais (civis e penais), alem de processos
ético-profissionais por erro médico, no caso de óbito fetal, de sequelas
por anóxia perinatal ou devido a aplicação do fórcipe. A frase “se ele tivesse
feito uma cesariana, teria salvado a criança” geralmente prenuncia a abertura um
processo judicial contra o médico.
A Resolução Normativa Nº 368, com
o objetivo de incentivar(?) o parto normal, irá obrigar o médico a preencher o
partograma, no qual serão registrados, a intervalos regulares, os diversos
parâmetros clínicos da evolução do parto (a dilatação do colo, a posição e a
altura da cabeça fetal, a frequência – e regularidade - dos batimentos cardíacos
do feto, a frequência e a intensidade das contrações uterinas, a ruptura, ou
não, da “bolsa das águas”, etc.). O partograma será o documento mais
importante, a prova mais contundente, para que as operadoras de planos de saúde
possam fazer a distinção entre a cesariana indicada por critérios clínicos e/ou
obstétricos daquela realizada sem qualquer indicação médica. O partograma fará
parte da documentação a ser enviada à operadora do convênio para que esta o
analise e, então, se o aprovar, faça o pagamento ao médico e à maternidade.
Temo que a cesariana, a pedido da gestante, apesar de alicerçada no princípio
da autonomia, não seja considerada pelos convênios como uma indicação
justificável. Temo, também, que muitos partogramas passem a registrar
indicações muito precoces de cesarianas – com menos de uma hora após a
internação da paciente. Acredito que essas cirurgias continuarão a ser agendadas
previamente – pelo centro obstétrico, pelo médico (e sua equipe) e pela
gestante (e sua família). É lamentável, mas essa é a nossa cultura atual (!).
Os partogramas, possivelmente, serão preenchidos depois da cesariana, falseando
as estatísticas de sofrimento fetal, discinesia uterina, desproporção
céfalo-pélvica, parada de progressão, distócia cervical (não-dilatação),
prolapso do cordão, circulares de cordão, apresentação anômala, doença materna,
etc., etc, etc. Muitos obstetras, principalmente os mais jovens, têm por dogma
a seguinte falácia: “uma vez cesárea, sempre cesárea”. Para eles, a cesárea
anterior torna inútil o preenchimento do partograma na gestação atual. Resta
saber se a operadora também irá rezar pela mesma cartilha...
Diminuir os percentuais de partos
operatórios em nosso país é quase uma utopia, pois, para que esse objetivo seja
alcançado, é necessário diminuir a influência de todos aqueles fatores que,
hoje, são justificativas - de gestantes e de obstetras - para a manutenção
desse vergonhoso status quo.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Leitura complementar:
A autonomia da gestante e o direito pela cesariana a pedido.
Dr. José Ferrari.
Revista Bioética 2009 17 (3): 473 – 495.
A questão das cesarianas.
Dr. Sérgio Martins-CostaI e Dr. José Geraldo Lopes Ramos
Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.27 no.10 Rio de Janeiro Oct. 2005
Primary Cesarean Delivery Rates,
Results from the Revised Birth Certificate, 2006–2012
Michelle J.K. Osterman, M.H.S., and Joyce A. Martin, M.P.H
Centers for Disease Control and Prevention
National Vital Statistics Reports, January 23, 2014 - USA.